A sala
Esta a primeira frase da obra.
As artes plásticas têm encontrado o caminho
de volta ao seio das comunidades: uma ou várias casas na vizinhança que compõem
um circuito de artes. A culinária idem. A música nunca saiu da casa. A música é
das salas dos músicos (o Rock só foi pra garagem porque é muito barulhento),
ela sai, vai a shows, encontra centenas,
milhares, mas volta pra casa e se faz tão música na sala quanto foi na
multidão. O teatro também tem essa acolhida das salas de casa, sempre teve. Mas
o que talvez nos falte, a nós gente de teatro, é um pouco do desprendimento das
outras artes na sua relação com esse lugar humano, caseiro. Usá-la sem
adaptações, sem truques, sem tentar aproximá-la ao nosso teatro ideal, o que só
a fragiliza e a precariza; idealização que a rigor desonra a sala de casa e o
próprio teatro.
Umas das coisas que Brecht mais claramente
buscou fazer nas suas formulações sobre teatro (tocando agora no fato de que o
personagem ter esse mesmo nome), foi revelar o que de natural há na
representação: ela é um artifício humano básico. Reconectar ator e público com
a naturalidade do artifício teatral é algo que o dispositivo Sala de Casa
oferece com maior potência que qualquer outro.
Praticamente vazia
Sendo você que nos lê, como nós, gente de teatro,
concordará que o “estar praticamente vazia” da frase é o comentário documental
sobre a nossa situação.
São muitas as urgências que o nosso tempo impõe, e a nós
que somos o teatro é imperativo arejar o tempo com palavras necessárias,
preencher o vazio que está sendo imposto, resistir, mostrar a suficiência de
nossas vozes e corpos – atrizes, atores - narradores. Primeiro mostrar quem
somos, a viemos, de onde viemos (rapsodos, griots) sem as mistificações que
também nos esvaziam. Sermos um pouco - só pra recomeçar! - apenas o que somos:
veículos da cultura, contadores de mitos, fábulas, histórias; instauradores de um rito cultural ancestral comum.
Apesar de
A sala não está vazia. Há aquele átimo de combustível
para receber a fagulha da instauração do rito: há ao menos um outro.
Um lugar de acolhimento, um outro semelhante diante de um
semelhante com suas histórias. Eis um antiquíssimo artefato da cultura. Explosivo.
Poderoso. Não convém perdê-lo. Sim, é imperdível e necessário e já se tornou
urgente.
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