Que eu conheci Mariana? Hum... uns... nove? Nove. Nove meses. Nove meses e vinte e... um dias. Eu tinha acabado de sair da missa de sétimo dia da Diana, numa bela manhã de domingo,
ainda com os pensamentos voltados pra Cristo e pra Santa Virgem, estava eu placidamente tomando rumo de casa .
e fui pro ponto de ônibus ali da praça Santos Dumont e ela estava lá, sentada, lendo um livro.
Lembrei uma frase que a Diana falava muito nas mais diversas situações "Senhor deus dos desgraçados, dizei-me vós, senhor deus, se é loucura ou se é verdade..." e penso de onde Diana tirou essa frase porque só agora entendo por que ela a dizia sempre com muita vontade. Vendo Mariana sentadinha, perninhas cruzadas, a saia pregueada que o vento levantava, só me vinha essa frase na cabeça. Mariana sem desgrudar os olhos do livro e sem se preocupar em espiar se seu ônibus se aproximava ou não. Depois de um tempo pensando em como travar uma primeira transação ali mesmo no ponto de ônibus
Perguntei, sem querer incomodá-la, que livro ela lia.
e perguntei o que ela lia sabendo que essa tarefa me exigia um esforço imenso porque tenho pavor de literatura.
A minha casa, vocês viram, é cheia de livros por todos os lados. Li todos, e se repararem ainda mais, todos têm anotações e diálogos com os autores. Sempre fui muito interessado em literatura.
As pessoas ficam lendo lendo lendo depois falam falam falam. Diana ouvia e reproduzia as vozes do narrador. Dizia, querendo justificar-se, que a voz do narrador é a linha, é a imagem, é a poesia. Que caralho de poesia o quê!... Aquilo me irritava tanto porque invariavelmente isso acontecia quando estávamos no meio da trepada e ela soltava coisas como "No dia seguinte, entrou no meu quarto uma borboleta. Lacei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu. Não caiu morta; ainda torcia e movia as farpinhas da cabeça." E depois ria, ria. E repetia "ainda torcia e movia as farpinhas da cabeça". É claro, logo na borboleta eu já havia saído de cima dela, e no fim da frase o meu pau já estava na metade do percurso descendente e eu olhando-o, triste, ele triste e eu triste, pensando nas farpinhas que me lembraram aranha e eu tenho pavor de aranha, um dia matei uma toda cabeluda e fiquei três noites sem dormir. Admito que aquele movimento deprimente-descendente também era um acontecimento involuntário, e por isso não podia dar um safanão na Diana porque apesar dela ter esse problema de comunicação com gente que não existe, eu gostava muito dela. Por outro lado, o meu pau é um ser que possui vida própria e existe, é concreto, eu posso pegá-lo. E quem deveria pegá-lo e acariciá-lo deveria ser a Diana, culpada daquilo tudo. E me vinha uma vontade de dizer uma coisa a Diana, uma coisa óbvia, que O que move o mundo é o sexo! O sexoooo! Não é a literatura. É o sexo! Mas ela não entenderia.
Diana também gostava muito de ler. Pobrezinha da Diana!... Sim, sim, perdão. A Mariana... Mariana me respondeu depois de me examinar longamente com os olhos que mesmo que ela me dissesse o que estava lendo eu não iria entender.
Mariana parecia muito maior do que eu.
Mas nada disso importa agora. Os tamanhos, as buscas... importam só para quem as procura. E antes da morte, porque depois só ares e vôos e reconhecimentos. O amor quer o aprisionamento, sendo uma forma antinatural de por exemplo comprar bananas na feira, de dormir um pouco além da conta, de perder o sono em função das origens das coisas. É muito fácil botar a culpa em quem não está presente. Pandora, por exemplo. Freud, tinha dores de barriga terríveis. Bastou um único banho para que Arquimedes saísse correndo enrolado na toalha e gritando Eureka. Conheço um grande gênio cuja cabeça é desprotegida de raios e tiros.
Sim senhor, serei mais objetivo.
Tenho uma coleção de cordas em casa...
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