Memória - Macedonio Fernández


Macedonio Fernández,  BAs, 1942
foto: Patrick Chartrain

"O Fantasismo Essencial do Mundo 


Sintamos, amada, o vazio do mundo, da apresentação geométrica e física das Coisas, do Universo, e a plenitude, a certeza única da Paixão, o Ser Essencial, sem pluralidade.
      Sorrirás como enlaçada ao vazio de uma janela que parecia dar a uma imensa e imóvel Realidade Externa e que bruscamente se reduz a um ponto, se pensares um instante que numa imagem de cena que sonhas ou imaginas pensando desperta pode haver toda a extensão do mundo e no entanto cabe em teu espírito ou mente, ou, se quiseres, na vibração de uma molécula imperceptível de sua "casca cinza", como dizem os fisiologistas. Se tendo abrangido com tua vista um panorama com sol, terra, céu, bosques, rio ou mares, ribeiras, edifícios, depois o pensas ou sonhas, tens exatamente a mesma imagem imensa encerrada em um ponto de tua mente, de tua alma, ou caso se queira numa microscópica célula nervosa de tua casca cinza. E ainda mais, essa mesma casca cinza e o cérebro todo é uma imagem de tua mente, pois não saberias que existe não fosse por imagens que tens de sua forma, cor, divisões, desenhadas ou vistas, e tuas imagens de contato, de temperatura, se estudaste anatomia. Se a casca cinza existisse por si, como poderia pensar nela mesma? Pois isso que estamos discorrendo é precisamente um pensar a casca cinza em si mesma, um imaginar-se da casca cinza a si mesma. Isso somos, com a nitidez de um círculo, nós, um pensar a casca cinza em si mesma. Como o órgão das imagens teria uma imagem de si? Como a casca cinza, onde se diz que reside o pensamento, pensaria em si mesma, enquanto o olho não pode ver diretamente a si mesmo; vemos tudo através dele e não o vemos?
      Se dentro de minha mente não há extensão e em qualquer imagem minha posso representar tudo o que vi, é simplesmente porque não há a Extensão, todo o universo não é mais que um ponto, e, menos ainda, não é mais que uma ideia, uma imagem em minha alma.
       É essa extensão a que cria a ilusão de pluralidade, que não é aplicável à única realidade do ser: a Sensibilidade.
    Paro por aqui; creio que essas palavras possam assomar tua sensibilidade ao abismo dko ser e ao reconhecimento de que tudo é psique, e portanto imortal. Porque já te insinuei, em muitas tentativas de comover tua dolorosa crença na morte, que sinto que o obstáculo que me domina para impedir que meu amor por ti seja o todo-amor que mereces e que é todo o valor da realidade é essa discrepância que nos separa, enquanto tu acreditas que nos espera morte e um terminar de nossas pessoas e de nosso amor e eu não creio que o todo-amor possa florescer em seres que se creiam passageiros."



 

{Macedonio Fernández [Museu do Romance da Eterna (Museo de la Novela de la Eterna) Cosac Naif] 2010}.




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