Carta-testamento de uma jovem defunta nua

 


L.H.O.O.Q.
MARCEL DUCHAMP
Também pode ser lida como
"Elle a chaud au cul"

O ser humano pode expandir-se
até dimensões de mundos e épocas sem mover um dedo;
ele pode preencher a eternidade dentro de si mesmo
ainda que, arquejando, morra ao fazê-lo.
Ernest Becker




Ah, meu querido, como te amo ainda que morta, tendo-te para sempre tão presente dentro de mim.

Sigmund disse que o homem se sente Imortal porque desconhece a Morte e o Tempo, e provavelmente ele tenha dito isto porque passou a vida sonhando com Ela, a Morte, em meio às sinusites enxaquecas e prisões de ventre que lhe eram habituais.

Conheci a Morte no momento em que te vi, e na noite que sucedeu nosso primeiro encontro, Ela veio-me em sonho e afiou Suas Garras em meus dentes (e permaneceram em plena harmonia os meus sentidos, ao contrário dos daquele psicanalista). A partir desta noite, Ela passou a freqüentar-me a fim de polir seu crescente Poder - e nisso o Tempo estava sempre presente -, e quanto mais aproximava-me de ti, mais o meu Gozo Silencioso reproduzia-se como câncer dentro de mim. Passado certo Tempo, passei a ver-me com freqüência no topo de um Todo-Branco que derramava luz às minhas recentes obscuridades (sim, porque a juventude é repleta dos escuros).

Esta minha cega composição – a cegueira preta da juventude e a branca da reprodução de ti em mim -, conduziu-me naturalmente a um desfiladeiro que mais tarde obrigou-me ao tão sinalizado encontro irreversível com a Morte e a Vida. E para que este encontro fecundo se realizasse em sua plenitude, o mais certo seria que, no instante da Grande Virada, o teu Todo-Poderoso me entubasse o Prazer Absoluto acumulado e o nosso Gozo Profundo me impulssionasse em direção à luz que tomaria-me o semi-corpo ainda trêmulo e depositário do teu Sêmen Divino. Mas como não estavas por perto, tratei de despir-me rapidamente no furor daquele instante a confundir-me a mortalidade, e com a mesma fome dos deuses, estendi-me nua ao chão em decúbito ventral e abri braços e pernas à espera de que, depois de morta, o teu Bruto Teso me possuísse calmamente o corpo límpido fresco e virgem, aparentemente inabitado de vida.

Neste Grande Ato faminto das Paixões, quando enfim me possuirdes, sentirás o quanto de latência ainda vibra por ti em minha matéria e perceberás que o Amor contraria todos os conceitos e lógicas e ciências estupidamente humanos.

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