para G. M.
Os sentimentos vastos não têm nome.
Perdas, deslumbramentos,
catástrofes do espírito, pesadelos da carne,
os sentimentos vastos não têm boca,
fundo de soturnez, mudo desvario,
escuros enigmas habitados de vida mas sem sons (...)
(HILDA HILST)
Olho para trás, com um misto de espanto e perplexidade. Sinto que há aflição em meus olhos, senão eles não se mexeriam tanto. Tento contê-los. Como poderia imaginar tanto furor entre aqueles seres que se mostravam límpidos, suaves, castos até, tendo mãos de mães com cheiro de alfazema... como poderia eu, me pergunto!, imaginar aquelas mãos contra mim, se transmudando em foice em punhal e em... – havia um outro que eu não identifiquei no apressado da ação... O que me faria perceber que ali havia a maldade latente, inacessível, disfarçada no mais puro dos amores? Como me precaveria dessa dor lancinante que vem do ser atacado sem renúncia, sem nenhum resquício de defesa: nenhum músculo meu jamais esteve alerta para contra-atacar, entregue que estava por inteiro em todo momento, e até em sonhos.
Talvez por isso tenha me ferido tanto.
Vejo-os através da janela embaçada com meu sangue já um pouco seco. Eles fumam, bebem e riem, como se ninguém além deles houvesse permanecido ali até poucos instantes atrás. Olho-os fixamente e uma náusea começa a nascer e a se reproduzir no meu adentro todo devastado. Meu corpo quer mover-se, e em meio a ardências e gemidos que me vêm de repente como soluço, dou passos sonoros - arrastados mas vitoriosos - em contra-direção.
A náusea aumenta a cada passo, toma forma redonda e azul (fecho os olhos pra ver) e cresce e gira e cresce ainda mais. Páro. Minha cabeça queima, titubeia, deixo-a pender ao peito, os olhos ainda fechados. Há leveza em minhas pernas - onde as ardências? onde os gemidos? – não sei, só sei deste redondo azul que me domina agora, e é tão lindo, é o movimento, e está vindo, e é quente, e está chegando, e vem subindo, e vem, e vemmm, e VEM, e
(...)
(...)
(...)
(...)
Cuspo o restante do azul. (É quente!). Abro lentamente os olhos e vejo aquele excremento deitado no chão, entre minhas pernas. Borbulhante. Fixo os olhos naquela imagem e penso como é estranho olhar para aquilo sabendo que se formou em mim no momento em que os olhei! E que se fez expelir com a força autônoma dos deuses, da natureza, não sei! Uma força... não sei, não sei, não sei!... Diante disso, percebo que nenhum ressentimento me compõe. Purificada, pulo a poça e sigo.
Em nome de todos os amanheceres.
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